terça-feira, 29 de junho de 2010

Não será difícil encontrar na Nudez da História Universal, as raízes da História do Naturismo. Afinal de contas o género humano sempre nasceu nu e esse é o seu estado natural. Contudo, desde os tempos mais remotos que a humanidade “aprendeu” a cobrir-se para fazer face às condições climatéricas adversas, sem que isso pusesse então em causa a sua relação natural com a nudez. Na Europa, sabemos que a prática da nudez colectiva sempre teve lugar, até meados do 2.º milénio da era cristã.
De facto, chegaram-nos relatos de sociedades e culturas já bastante evoluídas, onde a nudez era assumida em actos colectivos. Dos banhos públicos da Roma Imperial, às actividades físicas da antiga Grécia, muitos relatos e figurações dão-nos conta dessa realidade. A estatuária de então dá-nos, igualmente, não só um valor artístico, como a dignidade com que era tida a nudez. Até no centro nevrálgico da religião católica - o Vaticano - existem exemplos dessa exaltação. As figuras nuas pintadas por Miguel Angelo na Capela Sistina, mais tarde encobertas e hoje restauradas originalmente, mostram a verdadeira essência e dimensão corporal da humanidade. Mesmo num passado recente, o então Bispo de Cracóvia, mais tarde designado Papa João Paulo II, escrevia no seu livro “Love and Responsability”:

“O decoro sexual não pode, de nenhuma forma, ser associado ao uso de vestuário, nem a vergonha com a ausência de roupa, a total ou parcial nudez… A nudez, enquanto tal, não deve ser equiparada ao descaramento físico. A falta de decoro existe apenas quando a nudez desempenha um papel negativo no que respeita ao valor da pessoa, quando o seu papel é o de resultar em apetite sexual, no qual a pessoa é colocada na posição de mero objecto de prazer”.

Muito antes disso, quer na imponente civilização Egípcia, ao tempo de Aknaton e de sua esposa Nefertiti, quer, posteriormente, na região do actual Estado Hebraico, era comum o uso da nudez. Por exemplo, os antigos cristãos eram baptizados nus, em sinal de purificação.

Ainda hoje, já no século XXI, é possível encontrar povos com uma cultura em que a nudez é encarada com toda a normalidade, como em certas tribos da África à América do Sul.
O pudor associado à nudez, na Europa, só surge com intensidade e rigor, com o “advento maniqueísta” ocorrido no século XIV, tendo-se reflectido no pensamento humano até aos nossos dias, condicionando os nossos hábitos.
Basta lembrarmo-nos da crónica a El-Rei de Portugal, de Pêro Vaz de Caminha, aquando da descoberta do Brasil em 1500, para percebermos como os europeus da época viam já a nudez “com outros olhos”:

“... ali andavam três ou quatro moças e bem gentis, com cabelos mui pretos e mui compridos pelas espáduas, e suas vergonhas tão altas e tão cerradinhas e limpas das suas cabeleiras que, de muito bem olharmos, não tínhamos nenhuma vergonha. Os próprios índios não fazem o menor caso de encobrir e mostrar as suas vergonhas; e nisto têm tanta inocência como em mostrar o rosto.”

Ironicamente, hoje, vemos com naturalidade os relatos e fotos de indígenas africanas ou sul americanas nuas em revistas como a National Geografic, ao mesmo tempo que, “com outros olhos”, vemos as brancas na PlayBoy, tudo fruto de uma sociedade que cultivou o voyeur-exibicionismo numa perspectiva de “imagem ideal”, (especialmente a feminina, mas crescentemente, também, a masculina), onde o vestuário passou a constituir, negativamente, para além dum factor de diferenciação social, um artefacto erotizado, genitalizado e hedonista, projectado para uma sexualidade compulsivamente obsessiva, fazendo uso do ser humano como mero objecto descartável.

O Naturismo na era moderna

Aos séculos da castração “maniqueísta” juntou-se, mais tarde, a revolução industrial, que levou o homem europeu do campo para zonas urbanas altamente poluídas, desligando-o ainda mais da Natureza e aumentando-lhe consideravelmente o número de doenças.
É assim que, aqui e ali, da Alemanha à Inglaterra, passando pela França, Suíça, etc., aparecem as primeiras movimentações naturistas da era moderna, aliadas a filosofias em que a saúde mental se alia à saúde física e ao “culto do corpo livre” (FKK). Adolf Koch, professor alemão de educação física inicia os seus alunos nos desportos ao ar livre, usando a nudez, e obtém consideráveis resultados na sua saúde, aspecto e, até, “alegria de viver”.
Em 1903, em Hamburgo, abre o 1º clube naturista – o Freilichtpark (parque da luz livre).
A prática naturista está lançada. O alemão Heinrich Ungewitter publica Die Nacktheit (A Nudez), juntando-se ao movimento e dando-lhe consistência filosófica.
Entretanto, os importantes fluxos migratórios europeus encetados para outros continentes, nomeadamente para a América do Norte e Oceânia, levam consigo as sementes de uma nova filosofia e um novo estilo de vida.
Na Europa, em particular na Alemanha, logo em 1933, o surgimento do nazismo põe termo à evolução do Movimento Naturista.
Mergulhada durante anos na catástrofe da guerra e no holocausto, só depois do armistício ressurgem os grupos naturistas.
Uma explosão de publicações naturistas aparece em países como a Alemanha, a Suíça, a Inglaterra e a França, entre outros. Uma das mais famosas revistas naturistas “La Vie au Soleil” ainda hoje se publica!

O Movimento progride rapidamente numa Europa que procurava reencontrar-se e estabelece os primeiros laços internacionais.
Em 1950, no “International Sun and Health”, num artigo assinado por Erik Hohn’s, surge o primeiro apelo para a criação de uma organização internacional que agrupe os movimentos naturistas, existindo o consenso para que a iniciativa partisse de uma das mais antigas organizações - a ONS - Organização Naturista Suíça, (talvez, também, por ser oriunda de um país que tinha permanecido neutral durante a guerra).
Contudo, a ONS, através de Eduard Fankhauser respondeu negativamente, considerando ainda inoportuna a convocação de uma conferência internacional.
Após novas e diferentes intervenções favoráveis à ideia, nomeadamente por parte de Jaines Noake da BSBA (Grã-Bretanha), cujo país dispunha já de 54 centros naturistas, e da oferta de instalações por parte de Ernest Stanley do “North Kent Club”, o presidente daquela organização inglesa, Will Drury, decide divulgar um convite para um “Festival of International Naturism” a realizar em 1951 em Londres.
É assim que, a 8 de Setembro daquele ano, se reúnem delegados oriundos da Grã-Bretanha, Canadá, Estados Unidos da América, Suíça, Áustria, França e Alemanha.
Deveu-se à tenaz persistência de Albert Lecocq da Federação Francesa de Naturismo a presença da Alemanha desde o início do processo, numa altura em que as feridas da guerra ainda estavam muito vivas e apesar do movimento naturista naquele país ter sido, também ele, vítima da ditadura de Hitler, que ilegalizou e mandou encerrar os centros naturistas.
No final da conferência, esta foi declarada como o “1º Congresso Mundial do Naturismo”, ficando decidido continuar as discussões em futuros congressos a realizar em diferentes locais, fomentar a troca de informações e de publicações entre as organizações naturistas e facilitar visitas mútuas.
Ficou, igualmente, acordado que em 1952 teria lugar o 2º Congresso Mundial a realizar na Suíça. Foi, por isso, sob a égide da ONS que, a 30 e 31 de Agosto daquele ano, em Thielle junto ao lago Neuchatel, se reuniram 300 naturistas de 14 nacionalidades: 200, naturalmente oriundos da Suíça, 37 da Alemanha, 13 de França, 12 de Inglaterra, 8 da Holanda, 6 de Itália, 3 dos Estados Unidos, Áustria e Bélgica, 2 do Território do Sarre (hoje integrante da França) e da Nova Zelândia, e um do Brasil, da Espanha e da Índia.
Foram neste congresso, através de preciosos contributos de Albert Lecocq (FFN), Erhard Wächtler (DFK) e Eduard Fankhouser (ONS) entre outros, lançadas as bases da futura Federação Naturista Internacional, que viria a nascer no ano seguinte em Montalivet na França.
Até lá, um comité especial constituído por Albert Lecocq, Erhard Wächtler e Dorothy Thornton ficou incumbido de preparar a “Constituição e Regras” da futura organização internacional.
A 22 e 23 de Agosto de 1953 tem lugar o 3º Congresso Mundial do Naturismo no final do qual se assiste, formalmente, à criação da INF/FNI – Federação Naturista Internacional. No Centre Helio Marin de Montalivet, na Gironde Francesa, delegados vindos 9 países – Áustria, Suíça, Alemanha, Grã Bretanha, Bélgica, Holanda, Portugal, EUA e naturalmente da França, fundam a organização que ainda hoje, agrupando 30 federações nacionais, coordena a actividade de um movimento que definiu, então, o naturismo como a síntese de vários conceitos e métodos tendo um objectivo comum: ajudar o Homem a viver uma Vida mais Natural.
Tendo por bases os ideais de Bem Estar, de beleza e verdade, liberdade e paz para o género humano, independentemente da raça, origem ou etnia, o Naturismo procurará promover a harmonia e o equilíbrio ao nível físico, mental e emocional.
O Movimento fundador do Naturismo compreendeu, na sua génese, quatro correntes principais:

  • O naturismo físico, nudismo ou gimnosofia que defende as vantagens da nudez colectiva, nomeadamente em todas as actividades desportivas, de lazer e convívio, em particular ao ar livre, (ginástica, natação, banhos de sol, etc.), como forma de auto-respeito e são desenvolvimento físico;
  • O naturismo nutricional que defende uma alimentação mais racional com particular ênfase no uso de alimentos naturais que proporcionam mais e melhor saúde e promovem a desintoxicação do organismo;
  • O naturismo terapêutico, que defende o recurso a medicinas alternativas que compreendam o uso preferencial de meios naturais destinados a regenerar o corpo e a prevenir ou tratar as doenças;
  • O naturismo socio-ecológico, que partindo de uma consciência social apurada, compreende o envolvimento crítico destinado a combater os flagelos sociais, promovendo as vantagens de melhores condições de trabalho, habitação, higiene e protecção ambiental, no quadro de um desenvolvimento saudável e sustentado, factor de progresso psico-social. Sustenta, igualmente, que uma melhor informação, comunicação e cooperação internacionais podem promover a paz e solidariedade entre os povos.
Finalmente, o Congresso fundador estabeleceu, também, iniciar em 1954 a emissão do International Membership Card (hoje INF ID Card) – Cartão de Identidade Naturista, usado para identificar o seu portador como praticante do Naturismo e facilitar o seu acesso internacionalmente aos centros naturistas e que ainda hoje é comum aos naturistas de todo o mundo.
Em Portugal, mercê das vicissitudes do próprio desenvolvimento político-social e cultural, o Naturismo associativo tem, ainda, uma fraca adesão.

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