terça-feira, 29 de junho de 2010

A nudez está inserida no contexto histórico da humanidade e era vista e tratada com naturalidade. É possível reconhecer a nudez em diversas passagens históricas. Um bom exemplo disso é a Bíblia Sagrada que descreve: “Adão e Eva viviam no paraíso: e ambos estavam nus, o homem e a sua mulher; e não se envergonhavam” (Gênesis 2,25).

Na Grécia Antiga, no século VIII a.C., os esportes eram praticados por homens despidos; e durante o Império Romano, dos séculos II ao IV, todos juntos, sem distinção de sexo ou classe social, se banhavam nus, nas termas públicas. No período do Renascimento há presença de corpos nus na pintura, na escultura e nos milhares e belíssimos afrescos das paredes das igrejas. Tudo era muito natural.

Na arte, a nudez sempre esteve presente como representação de força, liberdade, poesia, sensualidade, maternidade e expressão, não somente carnal, mas espiritual do ser humano. Ao longo do tempo, o conceito de nudez foi transformado e passou a se relacionar com a vergonha, com o pudor e com o tabu.

É possível encontrar relatos de práticas de nudismo até meados do século XVI. Mas com a crescente influência das religiões cristãs, a nudez foi condenada e excluída da sociedade, ganhando assim conotações que a diferem do natural e sendo relacionada à malícia e perversão.

O culto à nudez como filosofia de vida relacionada ao naturismo começou na Alemanha, e foi esta iniciativa que pavimentou o caminho para os milhões que praticam o nudismo hoje em vários continentes como o Europeu, Americano, Asiático... A Alemanha permanece como a força motriz na base do movimento e tem milhares de praticantes ativos, estando entre os países que mais praticam a filosofia no mundo.

Acredita-se que no início do século XX surgiu o naturismo moderno. Em 1903, o alemão Richard Ungewitter publicou o livro “Da Nudez”, sendo o primeiro autor a escrever sobre os fundamentos do movimento naturista. Em Berlim, na Alemanha, Adolf Koch, um professor que lecionava em um bairro operário iniciou com seus alunos a prática de exercícios físicos ao ar livre e completamente nus, com a finalidade de promover melhorarias a saúde. Notou-se que os alunos ficaram mais corados, saudáveis e alegres. Satisfeitos, os pais se entusiasmaram e também adotaram a prática. O movimento, chamado inicialmente de Nudismo, foi crescendo e recebeu o nome de Frei Körper Kultur – FKK, que significa Culto ao Corpo Livre. O nome Naturismo só aparece a partir da década de 50.

Em 1906, surge na Alemanha o primeiro campo oficial para a prática: além de praticarem exercícios físicos despidos, a alimentação se baseava no vegetarianismo. Nos anos seguintes, o movimento começa a se espalhar pela Europa, conquistando inúmeros adeptos. Neste período destaca-se a Ilha do Levante, na França, fundada em 1926 pelos médicos e irmãos Duvalier, onde praticavam a helioterapia (tratamento das doenças pela luz do sol) como método de cura.

Foi após a Segunda Guerra Mundial que o naturismo começa a ser difundido também nos Estados Unidos e se propaga, com adeptos por todo mundo. Com a expansão da prática, em 1953, em Montalivet na França, foi fundada a Federação Internacional de Naturismo – INF com o intuito de defender os interesses dos que praticam essa filosofia de vida.

Atualmente, a França é o país onde o naturismo é mais difundido. Tem cerca de 150 praias, 320 clubes, várias revistas e publicações sobre o assunto e estima-se que existam 10 milhões de naturistas franceses.

Não será difícil encontrar na Nudez da História Universal, as raízes da História do Naturismo. Afinal de contas o género humano sempre nasceu nu e esse é o seu estado natural. Contudo, desde os tempos mais remotos que a humanidade “aprendeu” a cobrir-se para fazer face às condições climatéricas adversas, sem que isso pusesse então em causa a sua relação natural com a nudez. Na Europa, sabemos que a prática da nudez colectiva sempre teve lugar, até meados do 2.º milénio da era cristã.
De facto, chegaram-nos relatos de sociedades e culturas já bastante evoluídas, onde a nudez era assumida em actos colectivos. Dos banhos públicos da Roma Imperial, às actividades físicas da antiga Grécia, muitos relatos e figurações dão-nos conta dessa realidade. A estatuária de então dá-nos, igualmente, não só um valor artístico, como a dignidade com que era tida a nudez. Até no centro nevrálgico da religião católica - o Vaticano - existem exemplos dessa exaltação. As figuras nuas pintadas por Miguel Angelo na Capela Sistina, mais tarde encobertas e hoje restauradas originalmente, mostram a verdadeira essência e dimensão corporal da humanidade. Mesmo num passado recente, o então Bispo de Cracóvia, mais tarde designado Papa João Paulo II, escrevia no seu livro “Love and Responsability”:

“O decoro sexual não pode, de nenhuma forma, ser associado ao uso de vestuário, nem a vergonha com a ausência de roupa, a total ou parcial nudez… A nudez, enquanto tal, não deve ser equiparada ao descaramento físico. A falta de decoro existe apenas quando a nudez desempenha um papel negativo no que respeita ao valor da pessoa, quando o seu papel é o de resultar em apetite sexual, no qual a pessoa é colocada na posição de mero objecto de prazer”.

Muito antes disso, quer na imponente civilização Egípcia, ao tempo de Aknaton e de sua esposa Nefertiti, quer, posteriormente, na região do actual Estado Hebraico, era comum o uso da nudez. Por exemplo, os antigos cristãos eram baptizados nus, em sinal de purificação.

Ainda hoje, já no século XXI, é possível encontrar povos com uma cultura em que a nudez é encarada com toda a normalidade, como em certas tribos da África à América do Sul.
O pudor associado à nudez, na Europa, só surge com intensidade e rigor, com o “advento maniqueísta” ocorrido no século XIV, tendo-se reflectido no pensamento humano até aos nossos dias, condicionando os nossos hábitos.
Basta lembrarmo-nos da crónica a El-Rei de Portugal, de Pêro Vaz de Caminha, aquando da descoberta do Brasil em 1500, para percebermos como os europeus da época viam já a nudez “com outros olhos”:

“... ali andavam três ou quatro moças e bem gentis, com cabelos mui pretos e mui compridos pelas espáduas, e suas vergonhas tão altas e tão cerradinhas e limpas das suas cabeleiras que, de muito bem olharmos, não tínhamos nenhuma vergonha. Os próprios índios não fazem o menor caso de encobrir e mostrar as suas vergonhas; e nisto têm tanta inocência como em mostrar o rosto.”

Ironicamente, hoje, vemos com naturalidade os relatos e fotos de indígenas africanas ou sul americanas nuas em revistas como a National Geografic, ao mesmo tempo que, “com outros olhos”, vemos as brancas na PlayBoy, tudo fruto de uma sociedade que cultivou o voyeur-exibicionismo numa perspectiva de “imagem ideal”, (especialmente a feminina, mas crescentemente, também, a masculina), onde o vestuário passou a constituir, negativamente, para além dum factor de diferenciação social, um artefacto erotizado, genitalizado e hedonista, projectado para uma sexualidade compulsivamente obsessiva, fazendo uso do ser humano como mero objecto descartável.

O Naturismo na era moderna

Aos séculos da castração “maniqueísta” juntou-se, mais tarde, a revolução industrial, que levou o homem europeu do campo para zonas urbanas altamente poluídas, desligando-o ainda mais da Natureza e aumentando-lhe consideravelmente o número de doenças.
É assim que, aqui e ali, da Alemanha à Inglaterra, passando pela França, Suíça, etc., aparecem as primeiras movimentações naturistas da era moderna, aliadas a filosofias em que a saúde mental se alia à saúde física e ao “culto do corpo livre” (FKK). Adolf Koch, professor alemão de educação física inicia os seus alunos nos desportos ao ar livre, usando a nudez, e obtém consideráveis resultados na sua saúde, aspecto e, até, “alegria de viver”.
Em 1903, em Hamburgo, abre o 1º clube naturista – o Freilichtpark (parque da luz livre).
A prática naturista está lançada. O alemão Heinrich Ungewitter publica Die Nacktheit (A Nudez), juntando-se ao movimento e dando-lhe consistência filosófica.
Entretanto, os importantes fluxos migratórios europeus encetados para outros continentes, nomeadamente para a América do Norte e Oceânia, levam consigo as sementes de uma nova filosofia e um novo estilo de vida.
Na Europa, em particular na Alemanha, logo em 1933, o surgimento do nazismo põe termo à evolução do Movimento Naturista.
Mergulhada durante anos na catástrofe da guerra e no holocausto, só depois do armistício ressurgem os grupos naturistas.
Uma explosão de publicações naturistas aparece em países como a Alemanha, a Suíça, a Inglaterra e a França, entre outros. Uma das mais famosas revistas naturistas “La Vie au Soleil” ainda hoje se publica!

O Movimento progride rapidamente numa Europa que procurava reencontrar-se e estabelece os primeiros laços internacionais.
Em 1950, no “International Sun and Health”, num artigo assinado por Erik Hohn’s, surge o primeiro apelo para a criação de uma organização internacional que agrupe os movimentos naturistas, existindo o consenso para que a iniciativa partisse de uma das mais antigas organizações - a ONS - Organização Naturista Suíça, (talvez, também, por ser oriunda de um país que tinha permanecido neutral durante a guerra).
Contudo, a ONS, através de Eduard Fankhauser respondeu negativamente, considerando ainda inoportuna a convocação de uma conferência internacional.
Após novas e diferentes intervenções favoráveis à ideia, nomeadamente por parte de Jaines Noake da BSBA (Grã-Bretanha), cujo país dispunha já de 54 centros naturistas, e da oferta de instalações por parte de Ernest Stanley do “North Kent Club”, o presidente daquela organização inglesa, Will Drury, decide divulgar um convite para um “Festival of International Naturism” a realizar em 1951 em Londres.
É assim que, a 8 de Setembro daquele ano, se reúnem delegados oriundos da Grã-Bretanha, Canadá, Estados Unidos da América, Suíça, Áustria, França e Alemanha.
Deveu-se à tenaz persistência de Albert Lecocq da Federação Francesa de Naturismo a presença da Alemanha desde o início do processo, numa altura em que as feridas da guerra ainda estavam muito vivas e apesar do movimento naturista naquele país ter sido, também ele, vítima da ditadura de Hitler, que ilegalizou e mandou encerrar os centros naturistas.
No final da conferência, esta foi declarada como o “1º Congresso Mundial do Naturismo”, ficando decidido continuar as discussões em futuros congressos a realizar em diferentes locais, fomentar a troca de informações e de publicações entre as organizações naturistas e facilitar visitas mútuas.
Ficou, igualmente, acordado que em 1952 teria lugar o 2º Congresso Mundial a realizar na Suíça. Foi, por isso, sob a égide da ONS que, a 30 e 31 de Agosto daquele ano, em Thielle junto ao lago Neuchatel, se reuniram 300 naturistas de 14 nacionalidades: 200, naturalmente oriundos da Suíça, 37 da Alemanha, 13 de França, 12 de Inglaterra, 8 da Holanda, 6 de Itália, 3 dos Estados Unidos, Áustria e Bélgica, 2 do Território do Sarre (hoje integrante da França) e da Nova Zelândia, e um do Brasil, da Espanha e da Índia.
Foram neste congresso, através de preciosos contributos de Albert Lecocq (FFN), Erhard Wächtler (DFK) e Eduard Fankhouser (ONS) entre outros, lançadas as bases da futura Federação Naturista Internacional, que viria a nascer no ano seguinte em Montalivet na França.
Até lá, um comité especial constituído por Albert Lecocq, Erhard Wächtler e Dorothy Thornton ficou incumbido de preparar a “Constituição e Regras” da futura organização internacional.
A 22 e 23 de Agosto de 1953 tem lugar o 3º Congresso Mundial do Naturismo no final do qual se assiste, formalmente, à criação da INF/FNI – Federação Naturista Internacional. No Centre Helio Marin de Montalivet, na Gironde Francesa, delegados vindos 9 países – Áustria, Suíça, Alemanha, Grã Bretanha, Bélgica, Holanda, Portugal, EUA e naturalmente da França, fundam a organização que ainda hoje, agrupando 30 federações nacionais, coordena a actividade de um movimento que definiu, então, o naturismo como a síntese de vários conceitos e métodos tendo um objectivo comum: ajudar o Homem a viver uma Vida mais Natural.
Tendo por bases os ideais de Bem Estar, de beleza e verdade, liberdade e paz para o género humano, independentemente da raça, origem ou etnia, o Naturismo procurará promover a harmonia e o equilíbrio ao nível físico, mental e emocional.
O Movimento fundador do Naturismo compreendeu, na sua génese, quatro correntes principais:

  • O naturismo físico, nudismo ou gimnosofia que defende as vantagens da nudez colectiva, nomeadamente em todas as actividades desportivas, de lazer e convívio, em particular ao ar livre, (ginástica, natação, banhos de sol, etc.), como forma de auto-respeito e são desenvolvimento físico;
  • O naturismo nutricional que defende uma alimentação mais racional com particular ênfase no uso de alimentos naturais que proporcionam mais e melhor saúde e promovem a desintoxicação do organismo;
  • O naturismo terapêutico, que defende o recurso a medicinas alternativas que compreendam o uso preferencial de meios naturais destinados a regenerar o corpo e a prevenir ou tratar as doenças;
  • O naturismo socio-ecológico, que partindo de uma consciência social apurada, compreende o envolvimento crítico destinado a combater os flagelos sociais, promovendo as vantagens de melhores condições de trabalho, habitação, higiene e protecção ambiental, no quadro de um desenvolvimento saudável e sustentado, factor de progresso psico-social. Sustenta, igualmente, que uma melhor informação, comunicação e cooperação internacionais podem promover a paz e solidariedade entre os povos.
Finalmente, o Congresso fundador estabeleceu, também, iniciar em 1954 a emissão do International Membership Card (hoje INF ID Card) – Cartão de Identidade Naturista, usado para identificar o seu portador como praticante do Naturismo e facilitar o seu acesso internacionalmente aos centros naturistas e que ainda hoje é comum aos naturistas de todo o mundo.
Em Portugal, mercê das vicissitudes do próprio desenvolvimento político-social e cultural, o Naturismo associativo tem, ainda, uma fraca adesão.